A transição para o novo modelo de tributação sobre o consumo redesenha, de forma estrutural, o ambiente fiscal brasileiro.
A substituição gradual de tributos cumulativos e fragmentados por um sistema baseado no IVA dual impõe às empresas uma revisão profunda de incentivos, regimes especiais e estruturas patrimoniais que, por décadas, orientaram decisões de investimento e localização.
Nesse contexto, o período imediatamente anterior à plena entrada em vigor do novo regime configura uma janela decisiva para ajustes fiscais que dificilmente poderão ser replicados após a virada definitiva.
Mais do que um debate sobre aumento ou redução de carga tributária, a revisão de benefícios fiscais deve ser compreendida como um processo de adequação a uma lógica completamente distinta de tributação.
Incentivos construídos sobre a cumulatividade, a guerra fiscal do ICMS ou regimes setoriais específicos perdem aderência em um sistema que privilegia crédito financeiro amplo, neutralidade e tributação no destino.
Ignorar essa transição pode significar a perpetuação de estruturas ineficientes e, em alguns casos, a perda definitiva de oportunidades de regularização e planejamento legítimo.
A mudança de paradigma e o esvaziamento dos incentivos tradicionais
O novo modelo de IBS e CBS altera o fundamento econômico de diversos benefícios fiscais hoje existentes. Regimes especiais baseados em redução de base de cálculo, créditos presumidos ou isenções condicionadas à origem da operação tendem a perder eficácia em um ambiente de crédito financeiro integral.
Na prática, benefícios concedidos por entes subnacionais passam a ser neutralizados pela sistemática de compensação no destino, reduzindo seu impacto econômico real.
Além disso, a própria governança dos incentivos se torna mais restritiva. A revisão periódica de benefícios fiscais, já intensificada nos últimos anos por razões fiscais, ganha novo impulso com a transição para o IVA. Incentivos que não se sustentem em políticas públicas claras — como desenvolvimento regional ou inovação — enfrentam maior risco de questionamento, seja por revisão legislativa, seja por reinterpretação administrativa.
Regularizações patrimoniais e reavaliações como instrumentos de transição
Dentro desse cenário, mecanismos de atualização patrimonial assumem papel relevante. A possibilidade de reavaliar ativos, especialmente imóveis, com tributação favorecida sobre o ganho latente, representa uma oportunidade pontual de reorganização patrimonial antes da consolidação do novo sistema.
Trata-se de uma decisão que impacta diretamente o custo tributário de alienações futuras, operações societárias e reorganizações empresariais.
Sob a ótica do planejamento, a atualização de valores não deve ser vista isoladamente, mas integrada à estratégia de médio e longo prazo.
Empresas que mantêm ativos imobiliários relevantes em seus balanços, ou grupos familiares com patrimônio concentrado, precisam avaliar se a postergação dessas decisões pode resultar em tributação mais onerosa em um ambiente de maior transparência fiscal e menor tolerância a distorções históricas.
Antecipação de revisões fiscais e governança tributária
A antecipação da revisão de benefícios fiscais não se limita a escolhas pontuais. Ela exige uma abordagem estruturada de governança tributária.
Mapear todos os incentivos usufruídos, avaliar sua compatibilidade com o novo regime e estimar impactos financeiros ao longo do período de transição tornam-se etapas indispensáveis.
Empresas que operam em múltiplos estados ou setores intensivos em benefícios regionais enfrentam desafios adicionais.
A convergência para regras nacionais reduz a margem de manobra para arbitragens fiscais lícitas que, até então, compunham o planejamento tributário.
A ausência de revisão prévia pode levar a rupturas abruptas de modelos de negócio, com impacto direto em margens e competitividade.
Impactos práticos por perfil de contribuinte
Para grandes grupos com operações interestaduais, o principal impacto está na perda de relevância econômica de benefícios vinculados à origem. A revisão antecipada permite reestruturar cadeias logísticas, contratos e centros de distribuição com base em eficiência operacional, e não apenas em incentivos fiscais.
Médias empresas regionais enfrentam o desafio de adaptação a um sistema mais técnico e menos casuístico.
Muitas dependem de regimes especiais concedidos localmente e precisarão avaliar alternativas para absorver eventual aumento de carga ou custos de conformidade.
Já micro e pequenas empresas devem observar com atenção a convivência entre regimes simplificados e o novo IVA. Benefícios hoje incorporados de forma indireta podem ser substituídos por créditos mais transparentes, exigindo maior controle e profissionalização da gestão fiscal.
Setores como construção, agronegócio, serviços intensivos em mão de obra e economia digital apresentam particularidades que demandam análises específicas, especialmente quanto à transição de contratos de longo prazo e à apropriação de créditos acumulados.
Lacunas, riscos e pontos de atenção
Apesar dos avanços normativos, persistem lacunas relevantes. A regulamentação infraconstitucional ainda definirá critérios de aproveitamento de créditos, regras de transição para benefícios existentes e mecanismos de compensação.
Há risco concreto de assimetria interpretativa nos primeiros anos de implementação, o que reforça a necessidade de documentação robusta e decisões bem fundamentadas.
Outro ponto sensível é o tratamento dos benefícios condicionados a contrapartidas futuras, como investimentos ou manutenção de empregos.
A compatibilidade desses compromissos com o novo regime ainda suscita dúvidas e pode gerar contencioso.
Recomendações práticas
A revisão de benefícios fiscais não é apenas recomendável: ela é estratégica e temporalmente limitada.
A proximidade da virada do regime cria uma última oportunidade para ajustes com menor custo tributário e maior segurança jurídica.
Como recomendações práticas, destacam-se:
- Inventariar todos os benefícios fiscais e regimes especiais vigentes;
- Avaliar a eficácia econômica desses incentivos no contexto do novo sistema;
- Simular impactos financeiros no curto, médio e longo prazo;
- Considerar atualizações patrimoniais e reorganizações societárias ainda no regime atual;
- Fortalecer a governança tributária e a documentação das decisões adotadas.
A transição tributária redefine seus instrumentos e, quem agir de forma antecipada, estará melhor posicionado para atravessar a mudança com previsibilidade e controle.